Conan, o cimério

Olá pessoal!
Para muitos, Conan não passa de um brutamontes seminu, um bárbaro ignorante que resolve as coisas na porrada, principalmente para sair das confusões que sua falta de cérebro o meteu. Nada mais falso. O guerreiro é muito mais do um pastiche do cinema ou um esteriótipo das histórias em quadrinhos.
O problema, talvez, seja que principalmente no Brasil o Conan original não seja muito conhecido. Nos anos 80, havia inclusive quem pensasse que se tratava de um personagem surgido no cinema e as revistas em quadrinhos seriam consequência, quando a ordem dos fatores é bem diferente!Conan foi criado para uma série de contos publicados na revista Weird Tales, dos anos 30. As histórias podem se enquadrar naquele gênero literário que hoje chamamos de "pulp fiction", de onde surgiram tantos personagens mitológicos do imaginário mundial, como Tarzan, Zorro, Doc Savage, Buck Rogers e O Sombra.
Nos anos 50 e 60 suas histórias foram reunidas em livros e conquistaram novas gerações de fãs. Um deles, Roy Thomas, escritor de histórias em quadrinhos, resolver adaptá-lo para esta mídia, a partir de 1970, e foi dali que Conan ganhou o mundo. Para a produção do primeiro filme, em 1984, foi um pulo. Desde então Conan já virou série de televisão, desenho animado, vídeogame e RPG.A demanda exigiu novas histórias, tanto na literatura quanto nos quadrinhos, sem contar a televisão, e daí diversos autores fizeram sua versão do bárbaro, nem sempre condizente com a visão original de seu criador Robert E. Howard.
Howard era um texano extremamente introvertido, que da cidadezinha de Cross Plans, no Texas, produzia literatura tão feroz quanto seus sentimentos pela humanidade. Na visão do autor, a bárbarie é o estado natural do ser humano, e a civilização uma criação artificial que somente induz à morosidade e a decadência.
Enquanto nos EUA a obra de Howard já é recuperada há tempos, no Brasil ela permanece praticamente inédita. Houve uma tentativa da editora Unicórnio, nos anos 90, que lançava revistas nas bancas com contos de Conan - não só de Howard, mas também outros autores - mas se limitou a cinco volumes. Formato livro, mesmo, só pela Conrad, que em 2006 lançou por aqui "Conan, o Cimério - vol. 1". O livro é uma tradução de "The coming of Conan", obra que nos EUA reúne os primeiros contos do personagens escritos no início dos anos 30. Ele é o primeiro de três que trazem toda a obra de Howard com o cimério, publicados na exata ordem em que ele os escreveu.
Enquanto originalmente "The Coming of Conan" tem quase quinhentas páginas, aqui no Brasil a Conrad resolveu dividir o livro em dois volumes.
O livro é uma surpresa para quem tem uma imagem pré-concebida de Conan. O bárbaro original é mais sagaz, inteligente e humano do que poderíamos imaginar. O interessante do personagem é que notamos uma evolução. Do jovem ladrão que inconsequentemente vai assaltar a torre de um poderoso feiticeiro, sem nenhum plano ou precaução contra os perigos, notamos a diferença para o rei que patrocina as artes e que sabe que os poemas podem durar mais do que a sua lenda.De bárbaro inculto a rei do maior reino civilizado da sua época, Conan não é um personagem estanque, pelo contrário, ele evolui e aprende. É interessante que Howard não tenha produzido estas histórias em ordem cronológica, mas sempre pintando diferentes períodos da vida do cimério. Ler desta forma, sendo jogado em diferentes períodos, nos dá uma boa noção de como Conan foi, é ou será.
Mas mais do que as aventuras deste bárbaro indestrutível, que se nem sempre vence, pelo menos sempre escapa vivo, é o clima em que acontecem as histórias. Uma combinação de fantasia, aventura, horror e suspense, que se pode ser comum hoje em dia, Howard foi o grande pai do gênero "espada e magia". Ele conseguiu fundir de forma perfeita as histórias de cavalaria com os contos de horror muito populares no início do século XX.
Apesar de ser eminentemente uma literatura de entretenimento, uma leitura mais acurada revela que não se trata simplesmente de sub-literatura. Principalmente se pensarmos na forma como Howard levou sua vida - introvertido, pessimista e furioso - e na forma como ela acabou em suicídio, faz muito sentido a visão negativa que ele tem do mundo. As civilizações estão todas condenadas a desaparecer, segundo ele. Tudo que o homem faz está condenado a virar pó, inclusive a memória dos seus feitos e realizações. A civilização sempre começa como um sonho brilhante, mas fatalmente termina como um pesadelo decadente e horripilante. A magia, em 99% dos casos apresentada como maligna, é uma alegoria ao conhecimento científico levado as ultimas consquencias, como se o ser humano aprendesse demais o que não deveria saber, e só pudesse usar esse conhecimento para o mal.
O estilo da narrativa de Howard é eletrizante, simples e consiso, mas não bruto. Mais de um crítico americano o comparou com Ernest Hemigway na forma de narras suas histórias, e realmente há semelhanças, notando que por viverem na mesma época, não é caso de um influenciar o outro, mas de ambos captarem bem o espírito da sua época e a forma como as histórias deveriam ser narradas ao seu público.
O único porém é realmente a recusa da Conrad em não trazer os outros dois volumes - ou quatro, se a editora continuasse a dividir os livros - para cá. Porque quando você termina a leitura fica com aquela vontade de "quero mais", sabendo que há outras histórias que, infelizmente, ainda continuam inéditas no Brasil.
Valeu pessoal, um forte abraço!
Paz e Luz!
A Equipe